quinta-feira, 29 de outubro de 2009



Saudade


De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?





De quem é esta saudade,
de quem?




Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo...




E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo...




De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo?



(in Velha poesia, 1965)



Gilka Machado


GILKA MACHADO

(1893-1980)



Gilka da Costa de Melo Machado (Rio de Janeiro RJ 1893 - idem 1980). Publicou seu primeiro livro de poesia, Cristais Partidos, em 1915. Na época, já era casada com o poeta Rodolfo de Melo Machado. No ano seguinte, ocorreu a publicação de sua conferência A Revelação dos Perfumes, no Rio de Janeiro. Em 1917 saiu Estados de Alma; seguiram-se Poesias, 1915/1917 (1918); Mulher Nua (1922), O Grande Amor (1928), Meu Glorioso Pecado (1928), Carne e Alma (1931). Em 1932 foi publicada em Cochabamba, na Bolívia, a antologia Sonetos y Poemas de Gilka Machado, prefaciada por Antonio Capdeville. Em 1933, Gilka foi eleita "a maior poetisa do Brasil", por concurso da revista O Malho, do Rio de Janeiro. Foram lançadas, nas décadas seguintes, suas obras poéticas Sublimação (1938), Meu Rosto (1947), Velha Poesia (1968). Suas Poesias Completas foram editadas em 1978, com reedição em 1991. Poeta simbolista, Gilka Machado produziu versos considerados escandalosos no começo do século XX, por seu marcante erotismo. Para o crítico Péricles Eugênio da Silva Ramos, ela ?foi a maior figura feminina de nosso Simbolismo, em cuja ortodoxia se encaixa com seus dois livros capitais, Cristais Partidos e Estados de Alma?



.Livros: Cristais partidos (1915), Estados da alma (1917), Poesias (1918), Mulher nua (1922), Meu glorioso pecado: amores que mentiram, que passaram o grande amor (1928), Sublimação (1918).


LÉPIDA E LEVE



Lépida e leve

em teu labor que, de expressões à míngua,

o verso não descreve...

Lépida e leve,

Guardas, ó língua, em teu labor,

gostos de afago e afagos de sabor.



És tão mansa e macia,

que teu nome a ti mesma acaricia,

que teu nome por ti roça, flexuosamente,

como rítmica serpente,

e se faz menos rudo,

o vocábulo, ao teu contacto de veludo.



Dominadora do desejo humano,

Estatuária da palavra,

ódio, paixão, mentira, desengano,

por ti que incêndio no Universo lavra!...

És o réptil que voa,

o divino pecado

que as asas musicais, às vezes , solta, à toa,

e que a Terra povoa e despovoa,

quando é de seu agrado.



Sol dos ouvidos, sabiá de tato,

ó língua-idéia, ó língua-sensação ,

em que olvido insensato,

em que tolo recato,

te hão deixado o louvor, a exaltação!



- Tu que irradiar pudeste os mais formosos poemas!

- Tu que orquestrar soubeste as carícias supremas!

Dás corpo ao beijo, dás antera à boca, és um tateio de alucinação,

és o elastério da alma... Ó minha louca

língua, do meu Amor penetra a boca,

passa-lhe em todo senso tua mão,

enche-o de mim, deixa-me oca...

- Tenho certeza, minha louca,

de lhe dar a morder em ti meu coração!...



Língua do meu Amor velosa e doce,

que me convences de que sou frase,

que me contornas, que me vestes quase,

como se o corpo meu de ti vindo me fosse.

Língua que me cativas, que me enleias

os surtos de ave estranha,

em linhas longas de invisíveis teias,

de que és, há tanto, habilidosa aranha...



Língua-lâmina, língua-labareda,

Língua-linfa, coleando, em deslizes de seda...

Força inferia e divina

faz com que o bem e o mal resumas,

língua-cáustica, língua-cocaína,

língua de mel, língua de plumas?...



Amo-te as sugestões gloriosas e funestas,

amo-te como todas as mulheres

te amam, ó língua-lama, ó língua-resplendor,

pela carne de som que à idéia emprestas

e pelas frases mudas que proferes

nos silêncios de Amor!...


Gilka Machado

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